Luto, cultura cristã e psicologia

Mesmo sendo tão comum e tão presente, suportar o luto é umas das coisas mais difíceis que alguém pode fazer, pois não há provas concretas e inquestionáveis que nos faça compreender emocionalmente a morte.  Muitas teorias nos confrontam e nos confortam a saber sobre a morte, a visão cristã é uma delas, muito frequente em uma sociedade onde a maioria da população é adepta a religião cristã, como no Brasil.

Como lidamos com a morte? 

A morte não nos lembra apenas do fim e não nos remete somente a ausência, mas principalmente, nos faz refletir sobre toda a vida que emergia e que afeta ainda que não esteja materialmente nos tocando. A dor que fica após a sua consumação, é a dor de esperar o outro e não vê-lo chegar, olhar fotos e outros objetos particulares encontrando vida neles, mas sem saber o que fazer com ela, também ter algo cotidiano para falar-lhe e não poder.

Assim, os nossos impulsos cotidianos e naturalizados são cortados bruscamente. É a presença que está pulsando em nós, mas está morta fisicamente. É uma presença ilusória e ausente, mas tão intensa quanto antes, semelhante a uma perna amputada que insiste em doer, mesmo não existindo mais.

 O processo de luto, embora cause sofrimento, é necessário para que o sujeito enlutado consiga reconstruir relações de forma saudável. O luto faz o sujeito repensar suas prioridades, sobre as escolhas que fez até o momento e sobre as decisões futuras. Haverá uma desordem em sua vida, para colocar as coisas em novos lugares e estabelecer limites que o desafie.

O processo de luto é exatamente isso: um desafio. É como se o porto-seguro fosse destruído, para que o barco possa navegar. Porém, para navegar é preciso primeiro encontrar uma direção, um novo sentido que percorrerá. Ainda há pessoas que não conseguem encontrar a nova direção e se perdem no mar, ficam estabilizadas no cais ou se afogam.

O psiquiatra Viktor Frankl afirma que isso acontece quando as pessoas tentam buscar o sentido de suas vidas em si próprias, como se fossem separadas do restante do mundo ou negam a perda e não conseguem retirar o seu foco de sentido do falecido. Devido à impossibilidade de encontrar sentido desta forma, se mantêm sem rumo num conflito emocional progressivo.

 O cristianismo, porém, leva o homem a reconhecer que a sua existência está atravessada pela existência do outro e, por meio das relações estabelecidas, demandas de sentidos se constroem, cabendo ao homem reconhecê-las. Trata-se de uma crença que envolve relações verticais entre homem e Deus,  e relações horizontais entre homem e homem. O sentido é construído por meio da união destas relações.

Uma experiência de luto

O apologista e escritor Clive Staples Lewis, descreve como foi a sua experiência de luto no livro “Anatomia de uma dor”, quando aconteceu a morte da sua esposa. Ambos eram cristãos, porém Lewis admite que sua esposa possuía uma fé maior que a dele, afirmando que

“A paixão, a ternura e o sofrimento eram todos igualmente incapazes de desarmá-la.” (p.31).

Após o falecimento de sua esposa, Lewis escreveu em seu livro diversos conflitos que emergiram, conflitos que denunciavam a fraqueza da sua fé e como esta fé, ainda que fragilizada, o auxiliou neste momento. Lewis revela que durante o tratamento que sua esposa vinha fazendo, a esperança dele era abalada em alguns momentos, mas sempre se renovava.

O falecimento dela ocorreu em um momento no qual ele afirmou sentir confiança que Deus a curaria, porém a notícia de sua morte o nocauteou. Devido a isso, milhares de questionamentos em relação a Deus foram vomitados por ele.

Entretanto, o apologista escreveu que seu maior medo não é a descrença em Deus, mas descobrir que Deus é um sádico. No seu momento de luto, o seu maior temor era odiar ao Deus no qual fundamentou a sua vida. Neste emaranhado de dúvidas, Lewis se voltou a estudar mais da Bíblia, para encontrar as respostas que tanto buscava. Por meio disso, conseguiu encontrar o sentido de sua vida. Ele compreendeu que o Noivo era o objetivo principal a ser alcançado.

“Será que eu estaria, por exemplo, só voltando a me aproximar sorrateiramente de Deus porque sei que, se houver alguma estrada até H., ela passa por Ele? Mas então, é claro, sei muito bem que Ele não pode ser usado como uma estrada. Se você se aproxima dEle não como uma meta, mas como uma estrada, não como o fim, mas como um meio, você na verdade não está aproximando-se dEle.” (Lewis, 2006).

Em todos os momentos de seu livro, Lewis se referia a Deus, direta ou indiretamente. Ainda que incompreendido, seu anseio em encontrar um sentido estava latente e, aos poucos, emergia em ato. O sentido é uma descoberta, é um caminho que se trilha, ele não pode ser dado simplesmente.

Foi entre suas angústias que Lewis encontrou seu sentido, e no sentido encontrou força e um caminho para realizar a sua elaboração. A oração cristã foi uma atitude que ajudou Lewis a reorganizar a sua vida, pois ela provoca diversos efeitos que podem ser muito benéficos nesse momento de luto – No artigo “O que acontece com meu cérebro quando oro?” isso é esclarecido.

A prática cristã

O relacionamento que um homem constrói com Deus, reflete no modo como se relaciona com as outras pessoas e na visão que tem de si.  O cristianismo preza, não só por uma relação espiritual com Deus, mas exige obras que sejam benéficas à sociedade, sempre buscando encontrar valor daqueles que estão sendo ignorados ou oprimidos. A Bíblia, se refere a isso quando afirma no livro de Tiago 2:22 que

“Por meio das suas ações, a sua fé se torna completa”.

Fé e ações acontecem conjuntamente e se atraem, esse é um dos focos da vida cristã.Sendo assim, o sentido que o cristianismo ensina, diz de uma comunhão completa e universal, que abrange todos e tudo ao redor. A única coisa individual que a Bíblia ensina é a salvação, mas para alcançá-la é quase inevitável passar por diversas experiências grupais.

Apoiado nesta visão, a pessoa cristã aprende a construir o seu sentido que, em conceitos teológicos, denominam-se missão ou ministério. Não se limita somente a obras praticadas por intermédio de uma instituição religiosa, mas ações produzidas no cotidiano.

Ao aproximar-se da morte, o sujeito verá as obras que realizou e irá  julgá-las, pensando nas influências que teve e no legado que permanecerá após seu falecimento. Isso terá uma grande influencia no modo como ele irá entender e lidar com a sua morte.

Além disso, a família e as pessoas próximas buscam uma herança imaterial, que ofereça a sensação de presença e continuidade daquele que se faz ausente, como uma forma de consolo. O modelo da vida cristã colabora para essa elaboração da morte, seja de alguém que ama ou até a sua própria morte, caso esteja adoecido.